A Cúpula dos Povos junto a movimentos e organizações da sociedade civil entregou ofício ao Ministério Público Federal em que manifesta “profunda preocupação” com o uso da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) durante o período de realização da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que será sediada em Belém. Teme-se a militarização do evento e riscos à livre participação popular.
O ofício foi entregue ao Procurador-Chefe dos Direitos do Cidadão, Nicolao Dino durante evento de Pré-COP do Ministério Público Federal (MPF), realizado nesta segunda-feira (20) em Belém. O documento tem como título “Sobre a indesejada militarização da COP30 e a necessária garantia de participação da sociedade civil e movimentos sociais”.
A entrega foi realizada por representantes da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – Núcleo Pará (ABJD/PA), Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (CEDENPA), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e Terra de Direitos.
O documento expressa preocupação com a iminente decretação de GLO durante a COP30, um instrumento de exceção que autoriza o uso das Forças Armadas em situações excepcionais de grave perturbação da ordem pública. O instrumento, formalizado pela Lei Complementar nº 97/1999, tem origem em práticas adotadas durante o regime militar, quando as Forças Armadas eram mobilizadas para controle da ordem interna.
Para as organizações, o eventual uso caracterizaria uma indevida militarização de um evento civil e ambiental, colocando em risco os direitos fundamentais de manifestação, reunião e livre expressão e a participação democrática da sociedade civil. O documento também busca resguardar a segurança de defensores e defensoras de direitos humanos e garantir condições seguras para as mobilizações populares durante o evento.
O ofício destaca que o uso da GLO em eventos civis é juridicamente inadequado, desnecessário e desproporcional, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal na ADI 6457, que restringe sua aplicação a situações excepcionais e apenas após o esgotamento dos mecanismos ordinários de segurança pública. O texto reforça que não há ameaça concreta à ordem pública que justifique o uso das Forças Armadas na COP30 e que a preocupação das autoridades parece estar voltada aos protestos sociais e não à segurança pública.
“As manifestações são instrumentos legítimos de fortalecimento da democracia e da luta climática, e não ameaças à ordem”, afirma o documento. As entidades alertam ainda que o Brasil deve garantir que a COP30 ocorra em ambiente de respeito, inclusão e liberdade, e que a militarização de um evento dessa natureza contraria os princípios constitucionais e internacionais de direitos humanos.
Histórico de repressão e dever de não repetição
As organizações lembram que o Brasil tem um histórico de criminalização de movimentos sociais e repressão violenta a protestos, especialmente na Amazônia, como o massacre Eldorado dos Carajás, a construção de Belo Monte, repressões a quilombolas, estudantes e defensores ambientais. O texto também menciona a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Antônio Tavares Pereira, que condenou o Estado brasileiro por uso desproporcional da força, determinando, entre outras medidas, o dever de não repetição de práticas repressivas e violadoras de direitos humanos.
“A militarização não protege a ordem, apenas multiplica a violência e reforça o racismo institucional, atingindo de modo seletivo lideranças negras, indígenas e de comunidades tradicionais”, afirmam as signatárias.
Garantia de participação
O ofício reafirma que o objetivo de sediar a COP30 na Amazônia é dar visibilidade aos povos e comunidades que enfrentam diretamente os efeitos da crise climática e não isolar a população local das decisões globais sobre o futuro do planeta. O documento repudia “qualquer cordão de isolamento militar que limite a interação entre os diversos atores e atrizes que estarão em Belém”.
